Há uma rua curiosa em Alcântara que remete para uma figura estranha e desconhecida: é a rua Jau. Fica próxima da rua dos Lusíadas e da rua Luís de Camões, quase como se as três formassem uma tríade entre poeta, obra e escravo.

Porque é isso mesmo: a rua Jau é uma homenagem ao homem escravizado que terá ajudado Luis de Camões, o grande poeta português do século XVI, a completar a sua obra magistral, Os Lusíadas.

Pouco se sabe sobre Jau: terá sido comprado por Camões na ilha de Moçambique - que era portuguesa na altura - quando o poeta regressava de uma longa viagem à Índia ao serviço da Coroa portuguesa. Seria da Indonésia, da ilha de Java (na altura, haveria alguma confusão entre o “v” e o “u”) – e daí ter-lhe sido dado o nome “Jau”.

Dos escritos de Camões resta apenas um documento em que se fala de “António”, o nome cristão que lhe terá sido atribuído. O resto tem sido alvo de romantização.

Especialmente a partir de 1880, quando se celebrou o terceiro centenário da morte de Camões, numa altura em que o Partido Republicano Português se servia do patriotismo como arma. Para além disso, em 1888 abolia-se a escravatura no Brasil e começava a despertar-se um grande interesse pelo “escravo anónimo”.

Neste caso, Jau.

Surgem muitas representações sobre Jau e Camões neste período: o pintor Domingos Sequeira, o dramaturgo Almeida Garrett, o pintor francês Simon Guérin foram algumas das personalidades que se debruçaram sobre o mistério de Jau e da sua amizade com Camões.

Serão fidedignas as representações? Talvez sejam apenas fruto da época em que foram inventadas e a relação de Camões e Jau fosse meramente pragmática, como o único documento que existe sobre ele sugere.

Mas Jau resiste. No bairro de Santo Amaro, em Alcântara, fica a sua rua, uma homenagem aos escravos de Lisboa.

Por Ana da Cunha